Vinho é estado de espírito. Quando gostamos de algo criamos certas narrativas e passamos a cultivar atitudes que por vezes podem ser irracionais. Tenho um amigo, por exemplo, que foi a Portugal com a esposa, tomou um vinho mediano, mas desde então só toma dele. A bebida não é só o que efetivamente é, mas também e muitas vezes o que ela significa para nós. Não é à toa que por vezes bebemos um vinho fantástico num lugar mágico, e a mesma bebida degustada em casa, num dia comum, não carrega nada de especial.

Em 2014 estivemos em Florença. Das cidades que conheci na vida ela está, certamente, entre as mais belas e agradáveis. Acertamos o hotel, os restaurantes, os passeios e os vinhos. Tudo foi perfeito. Foram três noites maravilhosas. No Eataly subimos ao último andar e nos deparamos com uma loja de vinhos incrível que se orgulhava da promoção de vinhos TOP a cerca de cinco euros a taça. Não me recordo se a Ka tomou um Barolo ou um Brunello, mas eu passei a margem daquelas iguarias e fui me reconfortar nas novidades. Queria uma uva nova, queria provar algo diferente para o meu paladar até aquele instante. Foi quando descobri, a preço mais convidativo, a Refosco, ou melhor dizendo: Refosco dal Peduncolo Rosso – ou refosco (a uva) cujo eixo de sustentação da flor é vermelho. Isso mesmo: o “cabinho” dessa videira é vermelho.

refosco-dal-peduncolo-rosso

O vinho era um “Le Vigne di Zamó”, casa facilmente encontrada em bons endereços italianos e estava muito gostoso. A uva é cultivada predominantemente na região do Friuli, ao noroeste da Itália, depois de Udine, quase na fronteira com a Eslovênia. Trata-se de uma uva cujos vinhos costumam ser mais delicados quando jovens, com gradações alcoólicas abaixo dos 13%, na casa dos 12,5%. Alguns amigos torceriam o nariz para isso, mas minha memória de Florença não permite que eu critique esses belos vinhos. Por sinal, diga-se de passagem: belos e raros, pois não é comum encontrar Refosco no Brasil. Voltei empolgado com a experiência e foram poucas as vezes que encontrei algo acessível por aqui.

Zamò_Refosco

Fonte: Vinícola

De tudo o que provei as combinações com a merlot se mostraram muito agradáveis. O Modello (R$ 57 na Wine) um pouco delicado demais, mas o Altùris (Sociedade da Mesa) estava bem agradável. Exclusivamente à base de Refosco insistimos muito no Fantinel por seu preço baixo na Wine e por entregar algo muito correto, bem honesto – hoje anunciado a R$ 80, mas nunca comprado por mais de R$ 50 em boas promoções. Mas nos encontramos de verdade no Zue di Volpe, um tanto mais caro e comprado em bela promoção na Word Wine. Estava muito bacana, sobretudo depois de aberto cerca de uma hora.

volpe-pasini-zuc-di-volpe-refosco-dal-peduncolo-rosso-colli-orientali-del-friuli-friuli-venezia-giulia-italy-10302382

Fonte: Wine Searcher

Tudo estaria bem resolvido e de tempos em tempos eu adicionaria poucos exemplares à minha coleção de 10 Refoscos bebidos na vida se não viesse a novidade maior. Um grande amigo catarinense me disse que uma vinícola da serra estava plantando a tal uva. Duvidei em tom de brincadeira, e ele confirmou. Viajando pela região ele foi à Leone di Venezia mais de uma vez e atormentou o juízo do povo afirmando que um amigo era maluco pela uva e precisava provar o vinho. A cada nova visita um estágio diferente da produção como resposta negativa às tentativas: colhemos; estamos vinificando; está engarrafando etc. Na última investida, a paciência já devia estar se esgotando, e veio a resposta: “OK! Pode levar. Vou colocar uma etiqueta para você presentear o seu amigo, e dada a sua insistência vou fazer algo muito especial. Vou colocar aqui a etiqueta número 001 dessa raridade. Como não está pronto, beba apenas em março de 2018”. Era outubro de 2017 quando ele me deu o presente que me encantou. E dia 04 de maio abri o Refosco brasileiro – imagino que um dos únicos, se não o único produzido aqui. Dada a temperatura e o clima da serra o teor alcoólico aqui estava bem mais alto que na Itália, na casa dos 14%. Não era exatamente um Refosco no sentido daquilo que tomamos em Florença ou que nos é importado do Friuli, mas posso garantir que para além do apego sentimental pela casta e da emoção de tomar uma garrafa número 001 de algo tão raro, bebi um vinho muito agradável para o meu paladar. Compraria facilmente outros exemplares desse Refosco e indico tudo o que tomei da Leone até hoje, sobretudo o Sangiovesi. Saúde!

LdV 2 LdV 1