Países se notabilizam pelo cultivo de determinadas uvas, e os bebedores menos atentos parecem sempre dispostos à compra desses exemplares. Por exemplo: falou Argentina, e as pessoas logo recorrem à Malbec; tratou de Uruguai, e o destino é a Tannat. Os tintos brasileiros dialogam demais com Cabernet Sauvignon e Merlot, mas estamos longe de nos restringirmos a isso. Diferentes casas possuem relações com distintas castas, e num país imenso, não é incomum encontrar diversidade expressiva de uvas. Incluo facilmente aqui, em larga escala, a Syrah.

Nos últimos três anos duas uvas têm me chamado a atenção: a Ancellotta e a Teroldego. Já falei delas antes, mas dessa vez fui buscar o que gosto diretamente no produtor. E o mais legal: nas mãos do dono.

Domingo de Carnaval e estávamos vagando pelas estreitas rodovias de Bento Gonçalves e região atentos a aventuras simpáticas no mundo dos vinhos. Foi quando pelo Vale dos Vinhedos avistamos a Larentis. A casa está longe do gigantismo de alguns locais, e lembrei de três belas garrafas que tomei sob o rótulo “Cepas Selecionadas”. Todos aqui em São Paulo com preços que variaram de R$ 54 (2016) a R$ 70 (2017). Entramos, é óbvio.

No interior uma vinícola típica, com turistas circulando de forma menos formal que na imensa maioria dos locais que conhecemos. Atrás de um balcão grande, com garrafas espalhadas, vemos taças e provas. Os funcionários são atentos, e dentre eles um senhor com um pouco mais de idade e certeza na fala. É dele que me aproximo, pois a sabedoria costuma ser mais bacana que a simpatia da juventude. Cumprimento-o com um aperto firme de mãos e ouço seu nome depois dizer o meu: Larri, diz ele com sotaque acentuado. Oferece-me algo e destaco o que conheço da casa. Da linha Cepas Selecionadas não curti tanto o Marselan, mas dedico tempo a elogiar os outros dois – o Ancellotta e o Teroldego. Da linha Reserva Especial provo a minha queridinha Tannat, mas não encontrei algo que me chamasse tanta a atenção. Compro os dois que já haviam me seduzido. O primeiro por R$ 55 e o segundo por R$ 65 – se não estou enganado. Sensação de acerto absoluto.

Teroldego Ancellotta

Fonte: vinícola produtora

Na rápida conversa, Larri destaca que podemos descer às caves para conhecer um pouco mais da casa. É o que fazemos. Estou perto de completar 100 visitas desse tipo na minha vida e confesso que fico com a impressão de que nunca me cansarei de descer escadas estreitas, mergulhar no cheiro por vezes úmido de madeira e mosto, e me deliciar olhando barricas de carvalho. O ambiente pode ser repetitivo, mas a mente relaxa e me remete à tranquilidade. O espaço da Larentis é muito simpático. E na parte de fora da casa, que oferece alguns pacotes como piqueniques nas videiras, é possível avistar e tirar fotos nas vinhas. Passeio rápido, gostoso e compras a preços dignos. Na despedida sinalizo com um rápido agradecimento a Larri. Fiquei sem graça de lhe pedir uma foto, com receio de atrapalhar seu dia de trabalho em torno de seus belos vinhos.

CRN2

Faltava, agora, reforçar a tese da qualidade dos tintos da casa. No apartamento alugado abrimos o Ancellotta, safra 2014, para acompanhar nosso jantar. Os cinco anos em nada interferem, pelo contrário. O vinho começa bem, está maduro, mas nosso ritmo é lento por conta de um dia intenso de provas e aventuras. A despeito do caráter involuntário da vagarosidade é ela quem nos apresenta algo ainda mais expressivo. Duas horas depois de aberto o vinho evolui de maneira expressiva. Ao contrário de bebidas que nessa faixa de preço costumam morrer pouco depois de perderem a rolha, o Larentis se mostra ainda mais especial. Uma aventura deliciosa, que me deixou com vontade de voltar para pegar mais garrafas. Não fiz isso, mas registro aqui que o contrarrótulo da bebida merece uma observação especial. Lá está a temperatura de serviço, mas devia constar também algo do tipo “consumir 60 minutos depois de aberto”. Os mais apressados seriam apresentados a um rendimento ainda mais especial. Fica a dica! E há quem pense que no Brasil não temos bons tintos e excelentes preços.