O que trago aqui é algo que gosto de fazer: comparar vinhos. Não que eu saiba, faço isso apenas por intuição. Não sei elaborar análises técnicas para dizer o que é melhor quando estou bebendo dois vinhos, por exemplo. Mas acho divertido tentar explicar o que senti. O embate desse texto é especialmente bacana por três razões: conhecimento, gosto e preço acessível.

1) Visitamos as duas casas produtoras em 2020, pouco antes de o mundo se fechar para a pandemia. Chozas Carrascal, na região rural, e Bodegas Murviedro, no centro da pequena Requena, ficam na região de Utiel-Requena, na Espanha, ao norte de Valência – a cidade grande da Espanha que, junto com Sevilha, mais me impressionou e melhor me acolheu até hoje. Madrid e Barcelona são incríveis, mas grandes demais para quem já vive em 12 milhões. As visitas a ambas são deliciosas e cada uma tem características próprias bem agradáveis. A gigante Chozas e a aconchegante Murviedro são muito legais.

2) Os vinhos são feitos 100% da terceira uva mais plantada na Espanha e muito pouco bebida no Brasil. Falo especificamente da Bobal, que desde 2015 virou nossa queridinha. Trata-se de uma casta com pegada levemente mais adocicada sem passar perto de qualquer doçura exagerada. Os especialistas dizem que ser uma uva resistente que gera vinhos muito rústicos. Peço perdão, mas discordo. Vinhos BEM feitos dessa casta são extremamente agradáveis e podem ser bem sofisticados ou elegantes. Nossos exemplares aqui são simples, expressam o terroir da região, não passam por madeira e entregam bebidas extremamente honestas.

3) Aproveitando a menção à honestidade, o mais divertido aqui é que as duas garrafas me custaram, em tempos recentes, o mesmo valor. Falo de expressivos R$ 39,90. Isso mesmo: menos de quarenta reais, e você vai provar algo muito simpático. Vale? Claro que sim, no mínimo pela curiosidade.

Então vamos ao embate. O Las Dos Ces – as duas letras Cs’, de Chozas Carrascal – é o vinho que mais bebemos em casa nos últimos anos. Foram 19 garrafas desde 2018 e outras tantas, certamente, virão. A safra 2018 tinha 12,5% de graduação alcoólica, e em 2019 13,5%. O preço nos surpreende pela capacidade de o supermercado Superville, na Lapa, mantê-lo. Digo isso porque na vinícola a garrafa custa cerca de sete euros, com os impostos. E no representante brasileiro da marca custa mais que isso. Como pode ser encontrado por menos de R$ 40? Não sei, mas o importante é aproveitar a promoção e se refestelar com aquilo que nos agrada. Já o DNA Murviedro 2018, com 13% de álcool, não é vendido com esse nome na loja da vinícola, tampouco aparece no seu site. Deve ser algo para exportação, e quem traz o vinho para o Brasil é a gigante Evino. Foi lá que comprei. Similar a ele no site da produtora temos o Pugnus Bobal, que ganhamos de presente quando terminamos a visita. Na verdade, algo ao estilo: pague para entrar e ganhe a garrafa fechada ao sair – uma estratégia comum em algumas casas que se dedicam ao enoturismo. Como estávamos em um casal, foram duas garrafas durante a viagem, e essa agora com um nome diferente. As três são muito parecidas e renderam sensações muito semelhantes. Adicionados os impostos, na vinícola o Pugnus fica por cerca de seis euros, ou seja, o valor no Brasil também parece difícil de ser entendido.

BOBAL

Dito isso, vamos às avaliações. Faz tempo que avaliamos o Chozas como o “vinho de segurança da casa”, aquele que abrimos quando estamos dispostos a tomar algo simples que não nos aborrecerá – e sempre tem um na adega dormindo. Trata-se de um vinho fácil, ácido, pouco complexo e muito simpático. O DNA não fica atrás, e de novo: lembra muito o Pugnus. Trata-se de uma forma simpática de a casa se apresentar, nesse caso apelando para a ideia do DNA, que certamente vem da casta Bobal, a uva mãe de Utiel-Requena. Eu poderia facilmente aqui empatar o jogo, mas vou me posicionar. Se fosse para comprar uma caixa de um deles, eu levaria o Chozas Carrascal por ser um pouco mais intenso. O DNA é um pouco mais delicado, mas isso pode ser a garrafa ou a safra. Vou tentar, assim, melhorar minha opinião: o jogo terminou 1×1, mas o gol do Chozas foi mais bonito. Pronto. Se quiser entender o que é um Bobal raiz, sem passagem por carvalho, divirta-se com qualquer um deles. E se puder comprar os dois e fazer o que fiz, a brincadeira está garantida.

 

Se preferir, delicie-se com as descrições, por vezes muito generosas, das próprias casas e seus sites:

Las Dos Ces – Color rojo cereza picota, con ribete que marca notas violáceas denotando juventud. Capa media. Lágrima generosa y aspecto limpio y brillante. Nariz intensa, fresca y elegante. Gran presencia de aromas frutales, acompañados de notas tostadas, torrefactas y ligeros toques balsámicos. A entrada en boca resalta su frescura, suavidad e intensidad. Tiene un paso de boca amplio, de acidez equilibrada. Retrogusto largo, haciendo recordar principalmente esos matices frutales, tostados y torrefactos.

X

Pugnus (supondo ser o DNA) – Color rojo intenso con tonos cardenalicios. Potente y complejo, recordando a frutillas del bosque sobre un fondo ligeramente floral. Fresco, voluminoso, denso y untuoso, con taninos redondos y bien integrados, postgusto muy largo.