07 de setembro caiu numa quarta-feira. E quando feriados caem no meio da semana, nos obrigam a arrumar algo divertido na terça à noite e na quarta ao longo do dia na cidade. Nada de estrada. Não dá tempo! E foi o que fizemos: um evento gastronômico. Essa história, no entanto, começa bem antes, no exato instante em que um “Marqués de Murrieta reserva” foi aberto e estava estragado. Uma pena, um belo rótulo de Rioja que no Brasil é comercializado por cerca de R$ 250 e havia “falecido”. O que fazer a partir disso? Opções não faltam, e optamos por deixa-lo na garrafa, lhe reservando um destino digno.

O plano começou a ser executado no sábado dia 03 de setembro. Compramos sete peças de ossobuco no Mercado de Pinheiros e no domingo elas foram repousar num recipiente na geladeira imersas no vinho. A marinada durou mais de 48 horas. E no feriado o cozimento em panela levou mais três horas. Pronto! Um ossobuco divino em momento mais do que especial. Mas o que beber? Se o nosso belo vinho foi todo pra panela?

Aqui o desafio foi muito bacana e merece atenção. Estávamos em seis pessoas, quatro delas bebendo vinho. Iniciamos o evento com um Guaspari Vista do Chá, apenas para as entradas. O tinto confirmou integralmente o que escrevemos aqui sobre ele faz alguns poucos meses. Muito equilibrado!

Demos sequência com um Protos Crianza, espanhol de Ribera del Duero, produto de uma casa conceituada que nitidamente mudou seu estilo a partir de 2007 – como já comentamos aqui. Nossa garrafa era 2012, e mantenho a avaliação de que o vinho se tornou mais leve, uma tendência que tem sido verificada no sentido de aliviar na carga de carvalho. Mas tanto o brasileiro quanto o espanhol foram levados durante o cozimento do prato principal, com entradas muito bem feitas e escolhidas. Entre elas, queijo de cabra fresco, que abraçou os vinhos tintos com a ternura peculiar a esse encontro. Mas e o ossobuco? Vamos por partes.

Os vinhos escolhidos foram abertos com três horas de antecedência. Um deles foi para o decanter, mostrando uma garrafa vazia repleta de sedimentos, enquanto o outro ficou repousando na garrafa. Não quero aqui compará-los de forma alguma, até porque estão em patamares bem distintos. Mas o que fizemos foi beber um uruguaio e um ícone espanhol. O sul-americano foi um Pizzorno 2013, Tannat Reserva trazido de Montevideo. Estava bem menos duro que os clássicos vinhos da década de 90 e do começo dos anos 2000, e mostra que nossos vizinhos efetivamente domaram a uva e a tem transformado em vinhos intensos e muito elegantes. Pra quem gosta, e notou a evolução, estão cada dia melhores. E nossa garrafa confirmou mais um aspecto que tenho sentido: no Uruguai não existe uma tendência à homogeneização que encontramos em parte dos vinhos argentinos e chilenos. Fica a impressão que cada produtor consegue imprimir marcas próprias à bebida, surpreendendo o apreciador. Em contato com a carne o Pizzorno ficou muito agradável. Recomendo: o vinho e o contato com o prato.

pizzorno

Mas o melhor estava por vir. Seguindo na linha de louvor do texto sobre a Vega Sicilia da semana passada, bebemos um Alion 2006. Faz cinco anos escrevi algo sobre essa safra em minhas anotações: “o vinho é divino, mas ainda está um pouco verde. Mais tempo na garrafa e estaria perfeito”. Pois bem, continuo firme às minhas sensações: meia década de descanso fez bem demais para esse senhor, digno de todo o respeito. O vinho estava fantástico, e casou perfeitamente com a comida. Parte do Ossobuco estava desmanchando na colher, e acompanhado por uma divina polenta mineira, bem cremosa, ficou genial. Que venham os próximos ossobucos, e que estejam dignamente acompanhados de belos vinhos.

ossobuco