Já abordamos esse assunto aqui, mas tudo o que encontrei até hoje sobre vinho de Colares no Brasil continuam sendo textos que seguiram algo semelhante ao que vou fazer: descrevem a raridade e destacam o caráter absolutamente singular dessa bebida. Venda no Brasil não conheço. Mas nos últimos anos tive a oportunidade de beber três garrafas de Colares, duas de vinho tinto e uma de vinho branco. Esse último eu consegui entender bem, mas os dois primeiros, se eu não estivesse acompanhado de alguém que entende muito, teria assegurado que estava estragado. Eles são assim: diferentes de tudo.

Colares é uma freguesia de Sintra com menos de oito mil habitantes entre a serra e o mar. As paisagens deslumbrantes e a pequena distância da capital começam a nos explicar porque o seu vinho é tão raro: existem interesses imobiliários expressivos, e o que faz menos de um século eram bem mais de mil hectares – em 1908, Colares é reconhecida como Denominação de Origem – hoje se resume a aproximadamente vinte hectares, de acordo com matéria do New York Times. Mas é possível ser otimista nesse cenário: de acordo com o portal Público, de Portugal, faz pouco tempo a área chegou a estar resumida a oito hectares. Isso explica a raridade, e também o preço. Uma garrafa de Colares costuma ter 500 ml e custar cerca de 15 euros na vinícola. Barato? Colares não é unanimidade, e para ficar minimamente bom o ideal é que calculemos 20 anos para sua abertura a partir da data da safra exposta no rótulo. Vale? Claro que sim. Ou vai dispensar um vinho tão bebido, admirado e citado por Eça de Queiroz?

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Fonte: Wikipedia

As videiras brotam na areia – isso mesmo – e essa é a grande característica desse vinho. Outro ponto a ser destacado é a casta autóctone (nativa da região) Ramisco para os tintos. Esse casamento confere ao vinho uma necessidade de guarda para conter sua acidez exagerada e um tanino nervoso – um Colares jovem deve ser BEM difícil. Seu teor alcoólico é muito baixo e raramente supera 12,5%. Essa descrição certamente desagradaria muita gente. Na boca tem uma complexidade interessante, mas o que chama mais a atenção é a salinidade de quem vem da areia próxima do mar. No branco, feito predominantemente de Malvasia Fina, a delicadeza predomina em uma lógica ainda mais marítima.

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Fonte: Clube de Vinhos Portugueses

Toda essa singularidade me levou a Colares no dia 1º de janeiro de 2015. Lindo local, mas absolutamente sossegado e fechado. Um trânsito insano pelas pequenas estradas, e uma dificuldade imensa para estacionar o carro nos diversos faróis que ofereciam vistas deslumbrantes da costa. E nada de visitas possíveis às poucas adegas locais. O Réveillon em Lisboa com mais quatro primos / amigos queridos foi regado a nove garrafas de vinho em um longo e maravilhoso jantar. Foi quando apareceu o primeiro ramisco, o primeiro Colares. Uma garrafa de 1993 de Manoel José que devidamente harmonizada com um queijo duro ficou fantástica, a despeito de seu caráter exótico e absolutamente diferente. Em 2018, na mesma casa e com os mesmos amigos, veio a segunda: um Visconde de Salréu de 2003, igualmente desafiador e maravilhosamente casado com nova rodada de queijos duros – bem mofados. Perfeito! E essa é inédita aqui no Misturinhas. O branco foi um presente. Em 2016 fui a Londres para assistir um curso e ministrar uma palestra. O anfitrião da atividade me presenteou com um branco divino, fruto de sua visita ao local. Essa história eu já contei aqui.

Mas em uma tarde de 2018 cheguei à Colares com uma prima querida. E agora funcionou! Final de tarde, aquele céu azul luso-deslumbrante e um sentimento de frio no ar. Entramos na Adega Regional de Colares sem marcar hora. Um e-mail anterior havia me garantido que a loja estaria aberta, e estava. Local que respira história, e a sensação é que estamos entrando numa fazenda do começo do século XX, o que é verdade. Imensos tonéis de madeira protegidos por um pesado telhado amadeirado, num corredor iluminado por antigos lustres estão separados de nós por um portão (aquele no fundo da foto). Nosso encantamento é imenso, e a senhora que está sozinha no caixa diz de forma tranquila: “passem se quiserem”. E passamos.

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Um grupo pequenino fazia uma visita guiada, e nós percorremos todo aquele corredor tirando fotos e pensando o que aquilo tudo tinha de história para contar. Na volta, um sorriso de agradecimento e duas garrafas para casa – um branco e um tinto. O branco, de Malvasia Fina, é 2015 e está pronto para ser bebido no ano que vem. E o tinto? Ahhh o tinto: é 2009 e está recomendado para 2029. Se aguardar o meu aniversário de 2030, será meu brinde de 55 anos de idade. Será que aguento? Claro que sim, até lá outros tantos aparecerão e serão igualmente especiais.

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